Manual do Bom Filho de Santo
Não retrucar o pai-de-santo. Você por acaso retruca seus avós?
Não retrucar seus irmãos mais velhos e egbomis. Você por acaso retruca alguma tia ou tio mais velho?
Caso tenha algo para falar que não esteja concordando, discretamente peça um minuto da atenção do pai de santo e exponha a situação civilizadamente, sem precisar que a torcida do Flamengo esteja assistindo. Dar um escândalo no meio do barracão não é postura de um filho de santo, e você ainda corre o risco de tomar um fora na frente de todo mundo.
Quando tiver visita no barracão (egbomis, ekedes, ogãs, zeladores), seja em dia de festa ou em dia corriqueiro, é de bom-tom os filhos se abaixem para dirigir a palavra ao pai de santo. Detalhe: Só atrapalhar a conversa caso seja EXTREMAMENTE necessário. Deve-se chegar junto a ele, mas não muito, e ficar abaixado esperando que ele pergunte o que deseja. Quando ele perguntar, comece sempre sua frase com “AGÔ”. “Agô, mas blá blá blá...”, e se tiver que atravessar entre duas pessoas, peça “Ago” antes e passe com a cabeça abaixada.
Nunca, jamais, em tempo ou hipótese alguma, seja no seu barracão ou no barracão do alheio, deve-se sentar na mesma altura que o seu pai de santo. Ele já passou por vários sacrifícios para estar sentado confortavelmente ali. Você ainda está no meio do caminho. Portanto, pra que querer sentar aonde você não alcança?
Yawo e abian não bebem nenhum líquido em copo de vidro dentro de seu barracão ou no barracão do alheio. Deve-se esperar o bom e velho copinho de plástico ou então a conhecida DILONGA, BAN de OMI ou CANEQUINHA DE ÁGHATA, como você preferir chamar. Copo de vidro só quem tem direito é egbomis, ekedes, ogans e zeladores.
Yawo e abian não comem em prato de vidro ou louça. Apenas em pratinho de plástico ou ághata. Aliás, devemos lembrar que é de boa educação cada filho trazer seu devido pratinho de ághata e sua devida canequinha para seu uso pessoal no barracão. Ah! Garfo? Nem pensar! Colher. Somente ela. Garfo, só com 7 anos de santo feito, ou então sendo ekedes, ogãs, zeladores...
Terminou seu Ajeum? Pegue seu pratinho e sua canequinha, vá para cozinha e lave. Não cai a mão e nem coça, sabia? Infelizmente ainda não possuímos uma empregada que possa cuidar da limpeza geral enquanto nós descansamos.
Como dissemos no item anterior, não temos uma empregada para limpar tudo. Portanto, cada um deve se conscientizar e fazer a sua parte. Ficar protelando, esperando que algum irmão de santo se encha da bagunça e vá arrumar por você não tem cabimento. Cada um fazendo um pouco fica mais fácil e rápido.
Resolveu visitar o pai de santo? Que maravilha! Ele adorará sua visita, ainda mais se você vier com uma modesta colaboração para o ajeum, pois como é do conhecimento de todos, o pai de santo não é rico e nem tem obrigação de alimentar todo mundo. Madre Teresa de Calcutá já morreu, e definitivamente, ela não vai virar na cabeça do pai de santo.
Ao chegar ao barracão, o procedimento correto é:
Ao entrar no Ilê, pegar a quartinha e despachar a rua, encher com água e colocar no lugar.
Amarrar um pano no peito (mulheres) ou na cintura (homens).
Ir direto para a cozinha beber um copo d’água para esfriar o corpo da rua, sem fazer paradas para bater-papo e colocar a fofoca em dia.
Tomar seu banho e ir trocar de roupa.
Bater cabeça no axé, na porta do quarto de santo e para o pai de santo.
Tomar a benção a TODOS os seus irmãos, sendo mais velhos e mais novos, de acordo com a ordem iniciativa.
Agora sim, caso não haja nada em que se possa ajudar (muito embora seja impossível, pois em uma casa de santo sempre tem algo a ser feito), você pode ir colocar seu tricô em dia.
Você trabalhou feita a escrava Isaura e se cansou? Acabou de fazer todo o serviço? Bem, agora você pode pegar o seu maravilhoso APOTÍ e confortavelmente sentar-se nele. Como dissemos no item “5”, cadeiras, poltronas, com ou sem braço, só Egbomis, ekedes, ogãs ou zeladores que podem sentar. Existe uma variável do “APOTI”, que é a famosa esteira. Nela você pode se sentar, se espichar e até relaxar seus ossos. Ela é sua! Aproveite!
Em sua casa, quando você faz uma comemoração qualquer e é servida uma refeição, você sai atacando o ajeum na frente de seus convidados? Acreditamos que não, né? Portanto, na casa de santo é igual. Antes os mais velhos devem se servir, para só depois os yawos e abians se servirem. Isso é mais que uma regra, é etiqueta. E você não vai querer ser um deselegante, não é? Lembre-se: Estão sempre observando você.
Você gosta que fiquem pegando suas roupas emprestadas? Pois é, o pai de santo também não gosta. Portanto, que tal ir ao Varejão das Fábricas e comprar um belíssimo tecido de lençol a R$ 4,50 e fazer uma baiana de ração básica ou um calçolu para o dia-a-dia? Não sai caro e fica uma gracinha. E você finalmente pára de pegar a roupa do alheio emprestado. Não é maravilhoso? Todos na casa contentes e felizes com suas devidas roupas.
Quem traz dinheiro para o sustento da casa? Você é que não é! Portanto, trate muito bem o cliente, que vão para jogar ou se consultar, pois é deles que vem boa parte do dinheiro. Sorrir sempre e servir um copinho de café ou de água gelada não matam ninguém. Que tal tentar?
E vai rolar a festa! O povo do keto, do jeje, da angola e até da umbanda já mandou convidar. Mas, e o dinheiro para comprar o ajeum e o otí do povo? Com certeza o Carrefour não irá mandar as coisas de graça para o barracão, nem o Mercadão de Madureira tão pouco irá dar os bichos e todo o material restante. Portanto, que tal se todos coçassem o bolso um pouco e ajudassem?
Você acha que só por este local ser uma casa de santo, a Light, a CEG e a CEDAE irão fornecer água, luz e gás de graça? É claro que não. Portanto, contribua sempre com a sua módica mensalidade. Economizar um pouco na Skol e no cigarro no final de semana já irá ajudar muito no barracão, e será mais saudável para você.
O mundo está em guerra, existe muita gente por aí passando fome. Portanto, por que desperdiçar comida?
Fazer a quantidade exata só para quem trabalhou dignamente e contribuiu com este maravilhoso ajeum é o coerente, pois você não está no programa da Ana Maria Braga para comer de graça. Por falar em Ana Maria Braga, lembre-se que você não é o Louro José para dar palpites no barracão. Se você tem alguma sugestão, leve-a antes ao Pai de Santo. Espalhar a corrupção sobre a Terra é coisa de novela.
Ficou cansado depois da festa? Nada de ir pegando sua bolsinha e ir saindo de fininho. Lembre-se da limpeza do barracão, afinal como diz o item (8), não temos empregadas.
Roda de candomblé, seja em sua casa ou na casa do alheio, não é lugar de ficar de cochicho e risinhos irônicos. Se você quer fuxicar, vá para um botequim. E nada de ficar movimentando a boca, e para cantar mesmo, louvar os Orisas.
Anágua encardida, só se for depois da festa do candomblé. Antes, “NUNCA, JAMAIS, NEM PENSAR!”. Devem ser brancas como a neve. Anáguas de ráfia ou entretela, sem manchas e limpas.
Você, irmãozinho, que vê o mundo cor de rosa-choque com bolinhas amarelas, deve deixar esta sua visão progressiva e moderna do lado de fora do barracão. Ali dentro você tem que ver tudo branco. O mesmo vale para as coleginhas que vêem tudo azulzinho. Casa de orixá é para louvar e cuidar do Orixá, e não para arrumar casório.
Há! vai rolar um churrasquinho de gato na casa do seu coleginha no meio da semana, no mesmo dia de função do barracão? Então, peça para ele guardar uma porção para você e venha cumprir suas obrigações junto a seus irmãos.
Se sua irmã de santo tem uma baiana mais humilde do que a sua, nada de ficar “chuchando”, lembre-se, o mundo dá voltas e o feitiço pode virar contra o feiticeiro. Amanhã pode ser você com uma baiana de chita e ela com uma belíssima saia de rechilieu.
Caso assista fora do seu barracão a algo diferente do que ocorre em sua casa, nada de ficar chuchando e chamando os outros de marmoteiro. Você não é o dono da verdade e nem ninguém o é. O que pode parecer maluquice para você, pode não ser para o próximo. Além do mais, comentários sempre são feitos depois. Vai que tem alguém conhecido escutando?
Ninguém tem mais ou menos santo que ninguém. Isso é regra. Sempre.
Respeito é bom e conserva os dentes. Portanto, deve-se pensar duas vezes antes de envolver o Pai de Santo e irmãos mais velhos em determinadas brincadeiras de mau-gosto.
Apelidos e avacalhações são da porta do barracão para fora. Além do mais, a próxima vítima pode ser você.
Roupa de barracão é saia comprida, camisú e pano da costa. Shortinhos e top’s devem ser usados somente pra ir ao baile funk.
Sempre que for servir algum mais velho de santo, deve-se levar “o solicitado” numa bandeja ou prato e abaixar-se para servir.
Nunca olhar no rosto da pessoa. Responder somente, “sim” ou “não”.